CHARÃO | LEAL ESCRITÓRIO BOUTIQUE
Experiência em atendimento personalizado,
consultoria preventiva e otimização de resultados.

+ Saiba Mais

8 de junho de 2020

Hipóteses de Dispensa e Inexigibilidade de Licitação

*Por Victor Leal
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata das hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, como exceções à regra constitucional, que impõe o dever de licitação prévia para aquisições, contratações de serviços, execução de obras ou de trabalho técnico, científico ou literário.

 

A lei 8.666/1993 é a norma que estabelece as regras gerais acerca da licitação, de observância obrigatória para os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades por eles controladas direta ou indiretamente.

 

DESENVOLVIMENTO

A licitação é o procedimento administrativo por meio do qual a Administração busca selecionar a proposta que entenda mais vantajosa para a celebração de determinado contrato. Segundo as esclarecedoras palavras de José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo, 14ª ed., Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, p. 195/196), pode-se conceituar licitação como:

“[…] o procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico.

O artigo 37, XXI, da Magna Carta de 1988 prevê a obrigatoriedade de licitar, o que se estende aos consórcios públicos, além de obrigar certos entes privados (entes paraestatais) toda vez que a Administração objetivar a aquisição de bens, contratação de serviços, recebimento de trabalhos e alienações.

A competência legislativa para fixação das normas gerais sobre licitação e contratos administrativos (que têm aplicação em âmbito nacional) é da União.

É necessário pontuar que não há posição uniforme na doutrina quanto aos princípios setoriais que informam a licitação. Mas não se pode perder de vista que a própria Lei 8.666/93 (que disciplina as licitações e os contratos na Administração Pública) aponta como princípios fundamentais da licitação, além do Princípio Constitucional da Isonomia, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo (art. 3º da referida lei).

Em que pese a obrigatoriedade já mencionada, a lei de regência prevê hipóteses de contratação direta, por meio de dispensa e inexigibilidade de licitação.

DISPENSA DE LICITAÇÃO

A dispensa de licitação se verifica quando, embora havendo viabilidade da competição, o interesse público entremostra-se melhor atendido através da contratação direta. Contudo, cumpre esclarecer que a LICITAÇÃO DISPENSADA, cujas hipóteses estão previstas no art. 17 da Lei 8.666/1993 (Das Alienações), não se enquadra nesse conceito, tendo em vista que a Administração Pública, nesta espécie, não tem liberdade de escolha, não podendo optar por licitar.

A LICITAÇÃO DISPENSÁVEL, por outro lado, permite que a Administração possa escolher entre a licitação, se lhe convier, e a contratação direta, segundo as hipóteses taxativas do art. 24, da Lei 8.666/1993.

É salutar observar que o mencionado art. 24 prevê 35 (trinta e cinco) hipóteses de licitação dispensável, sendo esta lista exaustiva, ou seja, não pode o Administrador criar ou adaptar outras formas de dispensa de licitação, devendo ater-se, exclusivamente, às hipóteses delineadas pela lei.

Apesar do vasto número de possibilidades, o que se observa na prática, ao menos na expressiva maioria dos Entes Públicos, é que as hipóteses mais demandadas de dispensa de licitação são aquelas previstas nos incisos I, II, IV, V, VIII, X, XI, XIII e XVI do art. 24.

Os incisos I e II configuram as dispensas conhecidas como de “pequeno valor”, e fazem parte do cotidiano de toda a Administração Pública.

A primeira hipótese refere-se a obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso I do artigo 23, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente.

Em junho de 2018, o referido valor fora alterado por meio de Decreto do Presidente da República, de modo que o limite que antes era de R$ 15.000,00, passou a ser de R$ 33.000,00.

Mais recentemente, em virtude da Pandemia do novo coronavírus, em 06 de maio de 2020 foi publicada a Medida Provisória 961/2020, que alterou o referido valor para R$ 100.000,00. Este novo limite, entretanto, tem caráter temporário e será extinto assim que a situação de calamidade prevista no Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, for esvaecida.

A segunda hipótese refere-se a serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo 23 e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez.

Em junho de 2018, o referido valor fora alterado por meio de Decreto do Presidente da República, de modo que o limite que antes era de R$ 8.000,00, passou a ser de R$ 17.600,00.

Mais recentemente, em virtude da Pandemia do novo coronavírus, em 06 de maio de 2020 foi publicada a Medida Provisória 961/2020, que alterou o referido valor para R$ 50.000,00. Este novo limite, entretanto, tem caráter temporário e será extinto assim que a situação de calamidade prevista no Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, for esvaecida.

Outra hipótese que merece destaque, se refere à chamada contratação emergencial (art. 24, IV), que possui a seguinte definição e requisitos:

Art. 24.  É dispensável a licitação:

IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

Este dispositivo deve ser utilizado com bastante cautela pela Administração Pública, a fim de evitar a “emergência fabricada”, proveniente da falta de planejamento, ou ainda fruto de interesses escusos e ímprobos.

No entanto, estado configurada a situação emergencial, o Administrador deve valer-se de tal regramento para proteger pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, observado o prazo máximo da contratação.

No caso específico das medidas de combate do novo coronavírus, foi sancionada a Lei 13.979/2020 que, dentre outras medidas, instituiu regras de contratação emergencial destinadas à aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

A Lei em referência flexibilizou situações e desburocratizou regras. A fim de proporcionar um tempo de resposta mais célere por parte da Poder Público. Tais regras durarão enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

INEXIGIBLIDADE DE LICITAÇÃO

Diferente do que ocorre com a dispensa, na inexigibilidade de licitação não existe possibilidade de escolha do Administrador Público, pois ela se caracteriza justamente pela inviabilidade ou impossibilidade de competição, ou seja, a pretensão da Administração Pública para determinado fim, só poderá ser efetivada através da contratação daquela pessoa, física ou jurídica, cujas peculiaridades a distingue das demais, dentro das hipóteses previstas no artigo 25 da Lei 8.666 de 1993.

Outra diferença marcante, diz respeito à lista exemplificativa elencada pelo art. 25 da Lei 8.666/1993, de modo que é possível que outras hipóteses de inexigibilidade possam ser aplicadas, ainda que não previstas no referido dispositivo.

São três hipóteses de contratação direta por inexigibilidade previstas na Lei, quais sejam:

I – Fornecedor Exclusivo

II – Atividades Artísticas

III – Serviços Técnicos Especializados

Considera-se Fornecedor Exclusivo o produtor, empresa ou representante comercial que forneça materiais, equipamentos ou gêneros de forma exclusiva no mercado, sendo vedada a preferência por marca.

A contratação de profissional de Atividade Artística será considerada inexigível, quando este for consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Logo, não cabe à Administração Pública qualificar o profissional do setor artístico, uma vez que o âmbito de sua consagração deverá ser o mais amplo possível, de modo que seja conhecido por grande parte daquela localidade, em virtude de trabalhos realizados anteriormente.

Para os fins da Lei consideram-se Serviços Técnicos Especializados aqueles que, na forma da legislação específica de exercício profissional, requerem o domínio de uma área delimitada do conhecimento humano e formação além da capacitação profissional comum. A execução desses serviços, singulares que são, exigem do profissional, como requisito imprescindível, notória especialização.

A notória especialização é o atributo do profissional (pessoa física ou jurídica) que desfruta de prestígio e reconhecimento no campo de sua atividade, decorrente de vários aspectos, tais como: estudos, experiências, publicações, desempenho anterior, aparelhamento, organização, equipe técnica e outros do gênero.

Consideram-se singulares os serviços executados segundo características próprias do executor, ou seja, o serviço é de tal forma singular que só pode ser executado com determinado grau de confiabilidade por profissional ou empresa que detenha notória especialização.

Conforme asseverado linhas acima, as hipóteses de inexigibilidade não se esgotam no art. 25 da Lei 8.666/1993. Existe, de modo já consolidado, uma quarta hipótese, que é o credenciamento de prestadores de serviços ou fornecedores. Algumas Leis Estaduais, inclusive, fazem previsão expressa, como por exemplo da Lei estadual baiana de N° 9.433/2005, que em seu Art. 61, prevê:

Art. 61 – É inexigível a licitação, por inviabilidade de competição, quando, em razão da natureza do serviço a ser prestado e da impossibilidade prática de se estabelecer o confronto entre os interessados, no mesmo nível de igualdade, certas necessidades da Administração possam ser melhor atendidas mediante a contratação do maior número possível de prestadores de serviço, hipótese em que a Administração procederá ao credenciamento de todos os interessados que atendam às condições estabelecidas em regulamento.

Nesta hipótese, o instituto do credenciamento viabilizará a contratação direta por inexigibilidade com fulcro no artigo 25, “caput” da Lei Federal nº 8.666. De fato, um dos objetivos da licitação é a escolha daquele que melhor realizará o objeto conveniado ou contratado. Se a Administração não necessita de competitividade porque se predispõe a firmar vínculo com todos os interessados, não há que se falar em modalidade licitatória.

Na mesma linha de raciocínio, Marçal Justen Filho menciona que não haverá necessidade de licitação:

“quando houver número ilimitado de contratações e (ou) quando a escolha do particular a ser contratado não incumbir à própria Administração. Isso se verifica quando uma alternativa de contratar não for excludente de outras, de molde que todo o particular que o desejar poderá fazê-lo. O raciocínio não é afastado nem mesmo em face da imposição de certos requisitos ou exigências mínimos. Sempre que a contratação não caracterizar uma ‘escolha’ ou ‘preferência’ da Administração por uma dentre diversas alternativas, será desnecessária a licitação.”

É certo, assim, que o caracteriza a inexigibilidade de licitação é a identificação da inviabilidade de competição, independente de previsão expressa no rol açambarcado pelos incisos do Art. 25 da Lei 8.666/1993.

CONCLUSÃO

Deste modo, em que pese a regra geral de licitar, prevista na Constituição da República, existem hipóteses em que tal regra é excepcionada, a fim de promover maior eficiência em determinadas contratações, sempre observando as normas, limites e princípios que regem o processo licitatório.

Victor Leal

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAQUEL CARVALHO, Credenciamento como hipótese de inexigibilidade. Disponível em: http://raquelcarvalho.com.br/2018/04/24/credenciamento-como-hipotese-de-inexigibilidade/ Acesso em: 19 mai. 2020.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 46.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 14ª ed., Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, p. 195/196.