*Por Victor Leal
A Lei 8.666/1993, que instituiu as regras gerais para licitações e contratos no âmbito da Administração Pública, Direta e Indireta (fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios), se mostra inadequada para tratar dos novos desafios inerentes aos processos de contratação pública.
Diversos doutrinadores destacam o alto teor burocrático da
Lei, pensada pelo legislador como freio à corrupção, mas que demonstrou efeito
contrário. A ineficiência de procedimentos e as falhas tão repercutidas,
colocaram a Lei 8.666/1993 em contagem regressiva.
Em fevereiro de 2017 foi autuado na Câmara dos Deputados o PL
6814/2017, já conhecido como a “nova lei de licitações”. O referido projeto
ainda aguarda votação e, por questões inerentes ao processo legislativo, não se
sabe se poderá ser finalizado ainda neste ano de 2020.
Destarte, faz-se mister, desde já, estudar as principais
mudanças previstas no aludido projeto de lei.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Numa primeira análise, percebe-se que a “nova lei de
licitações” pretende imprimir uma cultura mais rígida de planejamento, que
abrange não apenas o período que antecede as licitações, estendendo-se para a
execução do contrato.
Outrossim, diferente da Lei 8.666/1993, o PL prevê, com muito
mais completude, as regras concernentes à fase interna da licitação,
proporcionando maior segurança jurídica para os condutores do processo e para
os particulares, licitantes ou não.
Não obstante, com a consolidação prática do Pregão (Lei
10.520/2020), o PL foi expresso ao defini-lo como modalidade a ser adotada como
“regra”, para aquisição de bens e contratação de serviços comuns, deixando para
a concorrência os serviços e obras de engenharia e para o leilão a aquisição de
bens móveis (o que já ocorre na Lei 8.666/1993) e imóveis.
As modalidades Tomada de Preços e Convite, muito utilizadas
em pequenos e médios municípios, não foram recepcionadas pelo PL, de modo que
serão substituídos ou pela concorrência, ou pelo pregão.
Não é demais afirmar que todos os procedimentos serão,
gradativamente, migrados para a forma eletrônica, seguindo a tendência que hoje
predomina. Vale destacar as inovações mais importantes trazidas pelo PL
6814/2017.
INVERSÃO DAS FASES
A inversão das fases de habilitação e classificação, sem
dúvida, é a materialização do Princípio da Celeridade Processual. Dos diplomas
legais que tratam de procedimentos licitatórios, apenas a Lei 8.666/1993 não
previa tal hipótese. As leis do Pregão, das Parcerias Público-Privadas, das
Concessões Comuns, das Estatais, do RDC, bem como algumas leis estaduais de
licitação, como a 9.433/2005 (Bahia), já previam este mecanismo.
Deste modo, a regra será que primeiro se promova a
classificação e julgamento das propostas, para depois analisar os documentos de
habilitação da licitante melhor classificada, o que, na prática, proporciona um
ganho extraordinário de tempo empregado nos certames.
ORÇAMENTO SIGILIOSO
O orçamento sigiloso, que permite à Administração ocultar dos
licitantes o orçamento estimado para a futura contratação, já causa polêmicas
entre os críticos do tema. Alguns entendem que esse sigilo poderia causar
incertezas por parte das empresas licitantes, entretanto, após um período de
adaptação, ele se mostrará vantajoso para a Administração, que provocará nas
empresas um impulso de maior competitividade, fazendo com que os preços se
apresentem mais módicos para o erário.
SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS PARA OBRAS E SERVIÇOS DE
ENGENHARIA
O PL prevê que o SRP possa abarcar as obras e os serviços de
engenharia comuns, o que é uma grande novidade, haja vista que órgãos de
controle externo, como a CGU e o TCU, já haviam se posicionado contrariamente.
GARANTIAS
No que tange às modalidades das garantias, percebe-se que não
houve mudanças, exceto pela previsão de assunção do contrato pela seguradora,
em caso de inadimplência do contratado. Este tipo de seguro permite que a
Administração fixe percentuais de até 30% do valor do contrato.
COMPLIANCE
Nas contratações de grande vulto (de acordo com os novos
limites previstos no PL), será obrigatória a formulação de compliance, ou seja,
a empresa contratada deverá adequar a sua adequação às normas do Ente
Contratante. Isto pode significar um avanço nas grandes obras de
infraestrutura, que hoje representam uma considerável fonte de prejuízo ao
erário.
DURAÇÃO DOS CONTRATOS
Em que pese manter a mesma regra acerca da duração dos
contratos, qual seja, que ela se limite à duração dos respectivos créditos
orçamentários, houve uma modificação que tem impacto na prática. Se refere à
duração dos contratos de prestação contínua, que antes poderiam viger por 12
meses, com prorrogações sucessivas até o limite de 60 meses. Com a mudança eles
passarão a ter 5 anos de vigência, o que evita a interminável tramitação de
processos de prorrogação contratual, reduzindo custos e conferindo maior
eficiência na fiscalização da execução do contrato.
SANÇÕES
A inovação mais importante acerca das sanções, diz respeito
ao fim de uma discussão doutrinária e jurisprudencial que há muito se arrasta,
qual seja, a abrangência federativa das sanções de SUPENSÃO e DECLARAÇÃO DE
INIDONEIDADE.
O PL crava que os efeitos da suspensão (que poderá durar até
3 anos), se restringem ao Ente que aplicou a penalidade, enquanto os efeitos da
declaração de inidoneidade (com prazo variável entre 3 e 6 anos), se estendem a
todos os entes da Administração Pública.
PNCP – PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
A “nova lei de licitações” também prevê a criação do PNCP,
que unificará informações, dados e procedimentos de todos os entes da
Administração, conferindo transparência irrestrita e geral aos processos
licitatórios. Neste Portal serão veiculados todos os editais, contratos e seus
aditamentos.
AGENTE DE CONTRATAÇÃO
O PL substitui a Comissão de Licitação e seu Presidente, pela
figura do Agente de Contratação, que contará com equipe de apoio. A ideia é
concentrar atribuições ligadas às licitações a um agente altamente qualificado
e especializado.
ATUALIZAÇÃO DE VALORES PARA DISPENSAS
As dispensas de licitação de pequeno valor, hoje previstas
nos incisos I e II do Art. 24 da Lei 8.666/1993 (após alteração implementada
por Decreto do Presidente da República em 2018) possuem limites de R$ 33.000,00
e R$ 17.600,00, respectivamente.
O PL propõe que os valores sejam majorados para R$ 50.000,00,
em casos de aquisição de bens e serviços comuns, e R$ 100.000,00 para obras e
serviços de engenharia, bem como para manutenção veicular.
Tendo em vista que a modalidade convite deixará de existir, a
elevação desses valores poderá atender às pequenas compras e serviços, com
menos burocracia e maior celeridade.
NOVA MODALIDADE – DIÁLOGO COMPETITIVO
A despeito de ter extinguido duas modalidades, o PL criou uma
nova – o diálogo competitivo, inspirada em modelos europeus, que, em face da
complexidade de determinado empreendimento, colocam os possíveis interessados
em diálogo aberto com a Administração para, sequencialmente, apresentarem a
melhor solução para executar o objeto da licitação.
Esta modalidade, no atual cenário, não deve encontrar muita
adesão, correndo o risco de tornar-se letra morta. Apenas com a maturidade da
“nova lei” e com estudos mais difundidos, poder-se-á apreciar esta modalidade,
na prática.
CONCLUSÃO
A “nova lei de licitações” açambarca mudanças que já haviam
sido implementadas em outros diplomas legais, sendo mais que necessárias, e
outras que constituem verdadeiras novidades. Espera-se que elas propiciem
contratações mais céleres e eficientes.